AS
MANDÍBULAS
I
as mandíbulas
permanecem no ar
suspensas pela
morte
acima da vida
mandíbulas nuas
nenhuma pele as
cobre
resta alguma
pele entre os dentes
na refeição
interminável
II
o sorriso da
mandíbula
puro
apenas dentes à
mostra
vivo como a
rocha depois do apedrejamento
III
como se
flutuassem
as mandíbulas
permanecem
algumas
partidas, outras não
mesmo com os
dentes cerrados
elas estão
abertas para o mundo
e o abocanham
IV
o beijo da
mandíbula
não em outra
mas no ar
que nos
circunda
e transmite a
carícia seca do cálcio
V
dentro da
mandíbula
alguém vive
não você ou eu
a mordida vive
e escolhe
sobreviventes
VI
maxilar é o
verbo da
mandíbula
acolhe-nos em
seu discurso
a cárie não
sobrevive à mandíbula
o verbo não
sobrevive ao discurso
VII
o céu coberto
de mandíbulas,
a noite cai
sobre a terra
e os gritos de
pânico
vêm do céu e da
terra;
o céu coberto
de mandíbulas,
não há mais
voo, as aves
rastejam de um
dente a outro
sem encontrar
pouso;
o céu coberto
de mandíbulas
morrerá de
fome, e seu
esqueleto enfim
sem asas
cairá vivo
sobre a terra;
as mandíbulas
continuarão a reinar
esperando que
outro céu nasça
e cresça como o
crânio jamais completo
VIII
não se vêem
mais
as mandíbulas;
neste
ar que sufoca a
possibilidade da garganta,
neste sol que
cega a desintegração da paisagem,
neste vento que
leva a matéria ao destino do pó
poderíamos
encontrá-las, ou
seriam elas
mesmas a impossibilidade
da garganta, a
cegueira
integral da
paisagem, o pó
como matéria do
destino
na cidade
erguida no espaço entre os dentes?
não se vêem
mais
as mandíbulas;
teriam abocanhado
o ar ou a
visão?
esgotou-se a
possibilidade do paraíso
nas mandíbulas
suspensas?
porém
é sempre
possível imaginares
tua mandíbula
na fuga aos rigores da carne
a reinventar o
corpo em campo minado.
Tens a arma.
Ela te usará.
Cálcio (Averno 049)